Este espaço é reservado para falar um pouco da vida dos grandes pensadores que promoveram inúmeras transformações na educação, cujas contribuições repercutem até os nossos dias.
Acesso ao eterno
O pensamento não se confunde com o mundo material - ele é simultaneamente a essência do ser humano e a fonte dos erros que podem afastá-lo da verdade. O conhecimento seria a capacidade de concluir verdades imutáveis por meio dos processos mentais. Um exemplo de verdade imutável seriam as regras matemáticas. Como o homem é inconstante e sujeito ao erro, uma verdade imutável não pode provir dele mesmo, mas de Deus, que é a própria perfeição. Assim, o ser humano tem pensamento autônomo e acesso à verdade eterna, mas depende, para isso, de iluminação divina.
Se o bem vem de Deus, o mal se origina da ausência do bem e só pode ser atribuído ao homem, por conduzir erroneamente as próprias vontades. Se o fizesse de modo correto, chegaria à iluminação. A ausência do bem se deve também a uma quase irresistível inclinação do ser humano para o pecado ao fazer prevalecer os impulsos do corpo, e não a alma.
Santo Agostinho tratou o tema da educação mais de perto em duas obras, De Doctrina Christiana e De Magistro, na qual apresenta a doutrina do mestre interior. A idéia é que o professor não ensina sozinho, mas depende também do aluno e, sobretudo, de uma verdade comum aos dois. Simplificando, o professor mostra o caminho e o aluno o adota; assim, o saber brota de seu interior. "A pessoa que ensina não transmite, mas desperta", diz Eliane Marta Teixeira Lopes, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. "Para Santo Agostinho, é desse modo que se conquista a paz da alma, e esse é o objetivo final da educação."
- Santo Agostinho
- Tomas De Aquino
- Comênio
- John Dewey
- Hannah Arendt
- Pierre Bourdieu
Santo Agostinho
O idealizador da revelação divina. Sábio cristão afirmava que o homem só tem acesso ao conhecimento quando iluminado por Deus
Embora tenha vivido nos últimos anos da Idade Antiga - que se encerrou com a queda do Império Romano, no ano de 476 -, Santo Agostinho (354-430) foi o mais influente pensador ocidental dos primeiros séculos da Idade Média (476-1453). A ele se deveu a criação de uma filosofia que, pela primeira vez, deu suporte racional ao cristianismo. Com o pensamento de Santo Agostinho, a crença ganhou substância doutrinária para orientar a educação, numa época em que a cultura helenística (baseada no pensamento grego) havia entrado em decadência e a nova religião conquistava cada vez mais seguidores, mesmo se fundamentando quase que exclusivamente na fé e na difusão espontânea.
Outros pensadores já haviam se dedicado à revisão da cultura clássica (greco-romana) para adaptá-la aos novos tempos. Havia nisso algo de estratégico, já que o paganismo ainda continuava vivo na Europa e em regiões vizinhas. Era uma forma de mostrar aos indecisos que a conversão ao cristianismo não seria incompatível com maneiras de viver e de pensar a que estavam acostumados. Entre os pensadores gregos, o que mais se prestava à construção de uma filosofia cristã era Platão (427-347 a.C.), e a escola de pensamento hegemônica nos primeiros séculos da Idade Média ficou conhecida como neoplatonismo.
Ensino e catequese
À medida que a Igreja se tornava a instituição mais poderosa do Ocidente, a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura de seu tempo. Educação e catequese praticamente se equivaliam - as escolas eram orientadas para a formação de membros do clero, ficando em segundo plano a transmissão dos conteúdos tradicionais. O conhecimento tinha lugar central na filosofia de Santo Agostinho, mas ele se confundia com a fé. Diante disso, a educação daquela época - conhecida como patrística, em referência aos padres que a ministravam - estimulava acima de tudo a obediência aos mestres, a resignação e a humildade diante do desconhecido. O objetivo era treinar o controle das paixões para merecer a salvação numa suposta vida após a morte.
Não é por acaso que a obra principal de Santo Agostinho seja Confissões, em que narra a própria conversão ao cristianismo depois de uma vida em pecado. Trata-se de uma trajetória de redefinição de si mesmo à luz de Deus, culminando com a redenção. O livro descreve a busca da salvação, ao mesmo tempo psicológica e filosófica. Tal procura se transformaria numa espécie de paradigma da vida terrena para os cristãos e vigoraria durante séculos como princípio confessional.
Toda a reflexão de Santo Agostinho parte da indagação sobre o conhecimento, introduzindo a razão, o pensamento e os sentidos humanos no debate teológico. Segundo o filósofo, os sentidos nunca se enganam e, portanto, o que eles captam é, para o ser humano, a verdade. Dizer que essa verdade constitui a verdade do mundo, no entanto, pode ser um erro.
À medida que a Igreja se tornava a instituição mais poderosa do Ocidente, a filosofia de Santo Agostinho definia a cultura de seu tempo. Educação e catequese praticamente se equivaliam - as escolas eram orientadas para a formação de membros do clero, ficando em segundo plano a transmissão dos conteúdos tradicionais. O conhecimento tinha lugar central na filosofia de Santo Agostinho, mas ele se confundia com a fé. Diante disso, a educação daquela época - conhecida como patrística, em referência aos padres que a ministravam - estimulava acima de tudo a obediência aos mestres, a resignação e a humildade diante do desconhecido. O objetivo era treinar o controle das paixões para merecer a salvação numa suposta vida após a morte.
Não é por acaso que a obra principal de Santo Agostinho seja Confissões, em que narra a própria conversão ao cristianismo depois de uma vida em pecado. Trata-se de uma trajetória de redefinição de si mesmo à luz de Deus, culminando com a redenção. O livro descreve a busca da salvação, ao mesmo tempo psicológica e filosófica. Tal procura se transformaria numa espécie de paradigma da vida terrena para os cristãos e vigoraria durante séculos como princípio confessional.
Toda a reflexão de Santo Agostinho parte da indagação sobre o conhecimento, introduzindo a razão, o pensamento e os sentidos humanos no debate teológico. Segundo o filósofo, os sentidos nunca se enganam e, portanto, o que eles captam é, para o ser humano, a verdade. Dizer que essa verdade constitui a verdade do mundo, no entanto, pode ser um erro.
Escola com disciplina militar
Se Santo Agostinho foi a primeira grande força intelectual de uma era em que a Igreja de Roma exerceu o poder cultural máximo, a ordem dos jesuítas pode ser considerada a última. A Companhia de Jesus surgiu no início do século 16 na Espanha, criada por um militar, Inácio de Loyola (1491-1556), depois Santo Inácio. Representou, na educação, a linha de frente na guerra da Igreja contra a reforma protestante do alemão Martinho Lutero. Como os agostinianistas, os jesuítas valorizavam a disciplina e a obediência e promoviam o sacrifício da liberdade de pensamento em benefício do temor a Deus. Diferentemente de Santo Agostinho, porém, os jesuítas favoreciam a erudição e o elitismo. Integravam um movimento conservador, derrotado a partir do século 17, com a ascensão do racionalismo, na filosofia, e as revoltas contra o absolutismo, na política. Os jesuítas - criadores de métodos de ensino tradicionalistas mas muito eficientes - têm grande importância na história das colônias européias da América, entre elas o Brasil, porque construíram as primeiras estruturas educativas do continente.
Acesso ao eterno
O pensamento não se confunde com o mundo material - ele é simultaneamente a essência do ser humano e a fonte dos erros que podem afastá-lo da verdade. O conhecimento seria a capacidade de concluir verdades imutáveis por meio dos processos mentais. Um exemplo de verdade imutável seriam as regras matemáticas. Como o homem é inconstante e sujeito ao erro, uma verdade imutável não pode provir dele mesmo, mas de Deus, que é a própria perfeição. Assim, o ser humano tem pensamento autônomo e acesso à verdade eterna, mas depende, para isso, de iluminação divina.
Se o bem vem de Deus, o mal se origina da ausência do bem e só pode ser atribuído ao homem, por conduzir erroneamente as próprias vontades. Se o fizesse de modo correto, chegaria à iluminação. A ausência do bem se deve também a uma quase irresistível inclinação do ser humano para o pecado ao fazer prevalecer os impulsos do corpo, e não a alma.
Santo Agostinho tratou o tema da educação mais de perto em duas obras, De Doctrina Christiana e De Magistro, na qual apresenta a doutrina do mestre interior. A idéia é que o professor não ensina sozinho, mas depende também do aluno e, sobretudo, de uma verdade comum aos dois. Simplificando, o professor mostra o caminho e o aluno o adota; assim, o saber brota de seu interior. "A pessoa que ensina não transmite, mas desperta", diz Eliane Marta Teixeira Lopes, professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. "Para Santo Agostinho, é desse modo que se conquista a paz da alma, e esse é o objetivo final da educação."
Biografia
Aurelius Augustinus, que passaria para a história como Santo Agostinho, nasceu em 354, em Tagaste (hoje na Argélia), sob o domínio romano. Embora sua mãe fosse cristã, Agostinho não se interessou por religião quando jovem. Sentia-se atraído pela filosofia romana. Antes dos 20 anos já tinha um filho, de uma relação não formalizada. Em pouco tempo, abriu uma escola na sua cidade natal. Tornou-se professor de retórica, lecionando depois em Cartago, Roma e Milão. Nesta cidade, tomou contato com o neoplatonismo e, aos 32 anos, converteu-se ao cristianismo. De volta a Tagaste, decidido a observar a castidade e a austeridade, vendeu as propriedades que herdara dos pais e fundou uma comunidade monástica, onde pretendia se isolar. Mas, sem que planejasse, foi nomeado sacerdote da igreja de Hipona, função que manteve até a morte, em 430. Suas obras principais são Confissões, Cidade de Deus e Da Trindade.
O início da Era Cristã
Aurelius Augustinus, que passaria para a história como Santo Agostinho, nasceu em 354, em Tagaste (hoje na Argélia), sob o domínio romano. Embora sua mãe fosse cristã, Agostinho não se interessou por religião quando jovem. Sentia-se atraído pela filosofia romana. Antes dos 20 anos já tinha um filho, de uma relação não formalizada. Em pouco tempo, abriu uma escola na sua cidade natal. Tornou-se professor de retórica, lecionando depois em Cartago, Roma e Milão. Nesta cidade, tomou contato com o neoplatonismo e, aos 32 anos, converteu-se ao cristianismo. De volta a Tagaste, decidido a observar a castidade e a austeridade, vendeu as propriedades que herdara dos pais e fundou uma comunidade monástica, onde pretendia se isolar. Mas, sem que planejasse, foi nomeado sacerdote da igreja de Hipona, função que manteve até a morte, em 430. Suas obras principais são Confissões, Cidade de Deus e Da Trindade.
O início da Era Cristã
Santo Agostinho presenciou a decadência do Império Romano. No ano de 312, pouco mais de quatro décadas antes de seu nascimento, o imperador Constantino havia oficializado o cristianismo em toda a região sob seu domínio - que sofria ataques contínuos dos povos bárbaros. Um ano antes da morte de Agostinho, em 430, os vândalos haviam invadido sua região natal, na África. A queda do império romano aconteceria 36 anos depois da morte do filósofo, com a deposição do último monarca pelos germânicos. Os quase mil anos seguintes seriam englobados pelos historiadores no período da Idade Média, que tem entre suas características principais o domínio da Igreja Católica sobre quase todas as atividades humanas. A filosofia de Santo Agostinho domina a primeira fase da Idade Média (mais ou menos até o século 11), marcada por guerras constantes, decadência das cidades, pulverização do poder político e internacionalização da cultura por meio da Igreja. É uma época em que a educação é eminentemente religiosa e a ciência avança pouco e se difunde menos ainda.
* Imagem 1 - Santo Agostinho
Imagem 2 - Missionários jesuítas entre índios americanos: europeus catequizam os nativos.
Imagem 3 - Conversão de Constantino ao cristianismo em pleno campo de batalha: fé marca nova era.
Imagem 2 - Missionários jesuítas entre índios americanos: europeus catequizam os nativos.
Imagem 3 - Conversão de Constantino ao cristianismo em pleno campo de batalha: fé marca nova era.
Quer saber mais?
A Psicanálise Escuta a Educação, Eliane Marta Teixeira Lopes, 244 págs., Ed. Autêntica, tel. (31) 3222-6819 (edição esgotada)
Os Jesuítas e a Educação, Egidio Schmitz, 254 págs., Ed. Unisinos, tel. (51) 3590-8239 (edição Esgotada)
Santo Agostinho, coleção Os Pensadores, 426 págs., Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0933 (edição esgotada)
Santo Agostinho, Marcos Roberto Nunes Costa, 216 págs., Ed. Edipucrs, tel. (51) 3320-3523 (edição esgotada)
Fonte: Site Nova Escola
Tomás de Aquino
Biografia
Os Jesuítas e a Educação, Egidio Schmitz, 254 págs., Ed. Unisinos, tel. (51) 3590-8239 (edição Esgotada)
Santo Agostinho, coleção Os Pensadores, 426 págs., Ed. Nova Cultural, tel. (11) 3039-0933 (edição esgotada)
Santo Agostinho, Marcos Roberto Nunes Costa, 216 págs., Ed. Edipucrs, tel. (51) 3320-3523 (edição esgotada)
Fonte: Site Nova Escola
Tomás de Aquino - O pregador da razão e da prudência
Doutor da Igreja inverteu prioridades no pensamento medieval, dando ênfase ao mundo real e ao aprendizado pelo raciocínio.
Tomás de Aquino
Depois
de oito séculos marcados por uma filosofia voltada para a resignação, a intuição
e a revelação divina, a Idade Média cristã chegou a um ponto de tensão
ideológica que levou à inversão quase total desses princípios. O
personagem-chave da reviravolta foi São Tomás de Aquino (1224/5-1274), o grande
nome da filosofia escolástica (leia quadro abaixo), cujo pensamento privilegiou
a atividade, a razão e a vontade humana.
Numa época em que a Igreja ainda buscava em Santo
Agostinho (354-430) e seus seguidores grande parte da sustentação doutrinária,
Tomás de Aquino formulou um amplo sistema filosófico que conciliava a fé cristã
com o pensamento do grego Aristóteles (384-322 a . C.) - algo que parecia
impossível, até herético, para boa parte dos teólogos da época. Não se tratava
apenas de adotar princípios opostos aos dos agostinianos - que se inspiravam no
idealismo de Platão (427-347 a .
C.) e não no realismo aristotélico - mas de trazer para dentro da Igreja um
pensador que não concebia um Deus criador nem a vida após a morte.
A
porção mais influente da obra de Aristóteles havia desaparecido das bibliotecas
da Europa, embora tivesse sido preservada no Oriente Médio. Ela só começou a
reaparecer no século 12, principalmente por meio de comentadores árabes,
conquistando grande repercussão nos círculos intelectuais. As idéias de
Aristóteles respondiam melhor aos novos tempos do que o neoplatonismo. Vivia-se
o período final da Idade Média e a transição de uma sociedade agrária para um
modo de produção mais orientado para as cidades e a atividade comercial.
Avanços tecnológicos, principalmente relacionados aos instrumentos de trabalho,
começavam a influir na vida das pessoas comuns e os trabalhadores urbanos se
organizavam em corporações (guildas).
Aristóteles, em sua obra, punha a razão e a
investigação intelectual em primeiro plano. A realidade material era
considerada a fonte primordial de conhecimento científico e mesmo de satisfação
pessoal. "Tomás afirma que há no ser humano uma alma única, intrinsecamente
unida ao corpo", diz Luiz Jean Lauand, professor da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo. "Era uma idéia revolucionária para uma época
marcada pelo espiritualismo de Santo Agostinho, que trazia consigo certo
desprezo pela matéria."
Tomás de Aquino realizou um trabalho monumental numa
vida relativamente curta. Sua obra mais importante, apesar de não concluída, é
a Suma Teológica, na qual revê a teologia cristã sob a nova ótica, seguindo o
princípio aristotélico de que cabe à razão ordenar e classificar o mundo para
entendê-lo. Eis o princípio operacional do tomismo, como é chamado à filosofia
inaugurada por Tomás de Aquino.
A relação entre razão e fé está no centro dos
interesses do filósofo. Para ele, embora esteja subordinada à fé, a razão
funciona por si mesma, segundo as próprias leis. Ou seja, o conhecimento não
depende da fé nem da presença de uma verdade divina no interior do indivíduo,
mas é um instrumento para se aproximar de Deus. "Segundo Tomás, a
inteligência é uma potência espiritual", afirma Lauand.
Essência a desenvolver
De acordo com o filósofo, há dois tipos de conhecimento:
o sensível, captado pelos sentidos, e o intelectivo, que se alcança pela razão.
Pelo primeiro tipo, só se pode conhecer a realidade com a qual se tem contato
direto. Pelo segundo, pode-se abstrair, agrupar, fazer relações e, finalmente,
alcançar a essência das coisas, que é o objeto da ciência. O processo de
abstração que vai da realidade concreta até a essência universal das coisas é
um exemplo da dualidade entre ato e potência, princípio fundamental tanto para
Aristóteles quanto para a filosofia escolástica.
Para extrair das coisas sua essência, é necessário
transformar em ato algo que elas têm em potência. Disso se encarrega o que
Tomás de Aquino chama de inteligência ativa - em complementação a uma
inteligência passiva, com a qual cada um pode formar os próprios conceitos. A
idéia, transportada para a educação, introduz um princípio pedagógico moderno e
revolucionário para seu tempo: o de que o conhecimento é construído pelo
estudante e não simplesmente transmitido pelo professor. "Tomás nos lega
uma filosofia cuja característica principal é uma abertura para o conhecimento
e para o aluno", diz Lauand.
Como o filósofo vê em todo ser a potência e o ato
(apenas Deus está acima da dicotomia, sendo "ato puro"), a noção de
transformação por meio do conhecimento é fundamental em sua teoria. Cada ser
humano, segundo ele, tem uma essência particular, à espera de ser desenvolvida,
e os instrumentos fundamentais para isso são a razão e a prudência - esse, para
Tomás de Aquino, era o caminho da felicidade e também da conduta eticamente
correta.
"A
direção da vida é competência da pessoa e Tomás mostra que não há receitas para
agir bem, porque a prudência versa sobre
atos situados no aqui e agora", declara Lauand.
Cidades ganham importância e novas escolas
Com sua teoria do conhecimento, que
"convoca" a vontade e a iniciativa de cada um na direção do
aperfeiçoamento, São Tomás de Aquino legou à educação sobretudo a idéia de
autodisciplina. Foi essa a marca do ensino cristão, que alcançaria sua máxima
eficiência, em termos de doutrinação, com os jesuítas, já no século 16. Embora
a obra de Tomás de Aquino apontasse para o auto-aprendizado, a idéia não foi
abraçada pelas rígidas hierarquias da Igreja Católica. No período em que o
filósofo viveu, a religião seguia sendo a principal fonte de instrução, como em
toda a Idade Média. Sobreviviam as escolas monásticas em mosteiros afastados da
cidade, que inicialmente visavam a formação de monges, mas depois também de
leigos das classes proprietárias. Com o surgimento da economia mercantil nas
cidades, aparecem também as escolas episcopais, urbanas, destinadas a formar o
clero secular (aquele que participava da vida social) e leigos. A palavra
latina schola ganhou, nessa época, o significado de centro de encontro e de estudos.
Vem daí o adjetivo escolástico, relativo à filosofia da época.
Biografia
Tomás de Aquino nasceu em 1224
ou 1225 perto da cidade de Aquino, no reino da Sicília (hoje parte da Itália).
Sua família era proprietária de um pequeno feudo e ligada politicamente ao
imperador Frederico II. Tomás foi encaminhado ainda criança para o monastério
de Monte Cassino, com o objetivo de seguir carreira religiosa. Nove anos
depois, devido a um conflito entre o imperador e o papa, ele foi tirado do
monastério e enviado para a Universidade de Nápoles, onde entrou em contato com
a obra de Aristóteles. Pouco depois, decidiu juntar-se à ordem mendicante dos
frades dominicanos. Quando seus superiores o enviaram para a Universidade de
Paris, os pais do noviço chegaram a seqüestrá-lo no caminho. Apesar de ter
ficado um ano proibido de sair da propriedade da família, a vontade de Tomás
prevaleceu e ele se mudou para Paris. O resto de sua vida se resumiu à
atividade acadêmica, com uma interrupção de alguns anos para trabalhar como
conselheiro da Cúria Papal, em Roma. Já perto do fim da vida, Tomás voltou à
Universidade de Nápoles, para dar aula. Sua passagem pela Universidade de Paris
foi marcada por polêmicas com outros pensadores. Morreu em 1274, na abadia de
Fossanova (hoje centro da Itália). Foi canonizado em 1323 e nomeado
"doutor da Igreja" em 1567.
Período exige abertura da igreja para o mundo
Tomás de Aquino é uma figura simbólica
de seu tempo na medida em que representou como ninguém a tensão entre a
tradição cristã medieval e a cultura que se formava no interior de uma nova
sociedade. Uma das respostas da Igreja a uma necessidade crescente de abertura
para o mundo real foi a criação das ordens mendicantes, que, sem bens, vivem da
caridade, ao mesmo tempo que se voltam para o socorro dos doentes e miseráveis.
As duas ordens mendicantes surgidas na época foram a dos franciscanos, fundada
por São Francisco de Assis (1181/2-1226), e a dos dominicanos, por São Domingos
de Gusmão (1170-1221). Tomás de Aquino se filiou aos dominicanos. Outra
característica dessa fase histórica foi o nascimento das universidades, que se
tornaram o centro das discussões teológicofilosóficas, em particular na
Universidade de Paris, onde o pensador estudou e lecionou. O ensino nessas
instituições se assentava na divisão de disciplinas entre trívio e quadrívio,
sistema que remonta à Antigüidade clássica. O quadrívio, que corresponderia às
atuais ciências exatas, agrupava aritmética, geometria, astronomia e música, e
o trívio, aparentado à idéia de ciências humanas, reunia a gramática, a
retórica e a dialética. As discussões do período, no entanto, em breve levariam
a um questionamento dos conceitos científicos vigentes.
Quer
saber mais?
Cultura e Educação na
Idade Média, Luiz Jean Lauand (org.), 347 págs., Ed. Martins Fontes, tel.
(11) 3241-3677, 40,50 reais
Sobre o Ensino (De Magistro)/Os Sete Pecados Capitais, Tomás de Aquino, 160 págs., Ed. Martins Fontes, 26,50 reais
Tomás de Aquino - A Razão a Serviço da Fé, José Silveira da Costa, 128 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172-002 (edição esgotada)
Verdade e Conhecimento, Tomás de Aquino, 390 págs., Ed. Martins Fontes, 48 reais
Artigos sobre filosofia medieval e Tomás de Aquino, além de notícias sobre estudos na área.
Sobre o Ensino (De Magistro)/Os Sete Pecados Capitais, Tomás de Aquino, 160 págs., Ed. Martins Fontes, 26,50 reais
Tomás de Aquino - A Razão a Serviço da Fé, José Silveira da Costa, 128 págs., Ed. Moderna, tel. 0800-172-002 (edição esgotada)
Verdade e Conhecimento, Tomás de Aquino, 390 págs., Ed. Martins Fontes, 48 reais
Artigos sobre filosofia medieval e Tomás de Aquino, além de notícias sobre estudos na área.
Fonte: Site Nova Escola
Comênio - O pai da didática moderna
O filósofo tcheco combateu o sistema medieval, defendeu o ensino de "tudo para todos" e foi o primeiro teórico a respeitar a inteligência e os sentimentos da criança.
Quando se fala de uma escola
em que as crianças são respeitadas como seres humanos dotados de inteligência,
aptidões, sentimentos e limites, logo pensamos em concepções modernas de
ensino. Também acreditamos que o direito de todas as pessoas - absolutamente
todas - à educação é um princípio que só surgiu há algumas dezenas de anos. De
fato, essas idéias se consagraram apenas no século 20, e assim mesmo não em
todos os lugares do mundo. Mas elas já eram defendidas em pleno século 17 por
Comênio (1592-1670), o pensador tcheco que é considerado o primeiro grande nome
da moderna história da educação.
A obra mais importante de
Comênio, Didactica Magna, marca o início da sistematização da pedagogia e da
didática no Ocidente. A obra, à qual o autor se dedicou ao longo de sua vida,
tinha grande ambição. "Comênio chama sua didática de ‘magna’ porque ele
não queria uma obra restrita, localizada", diz João Luiz Gasparin,
professor do Departamento de Teoria e Prática da Educação da Universidade
Estadual de Maringá. "Ela tinha de ser grande, como o mundo que estava
sendo descoberto naquele momento, com a expansão do comércio e das navegações."
No livro, o pensador realiza
uma racionalização de todas as ações educativas, indo da teoria didática até as
questões do cotidiano da sala de aula. A prática escolar, para ele, deveria
imitar os processos da natureza. Nas relações entre professor e aluno, seriam
consideradas as possibilidades e os interesses da criança. O professor passaria
a ser visto como um profissional, não um missionário, e seria bem remunerado
por isso. E a organização do tempo e do currículo levaria em conta os limites
do corpo e a necessidade, tanto dos alunos quanto dos professores, de ter
outras atividades.
Ruptura com a escolástica
Gravura do próprio Comênio para um de seus livros de texto: aprender brincando. |
Comênio era cristão
protestante e pertencia ao grupo religioso Irmãos Boêmios, ao qual se manteve
vinculado por toda a vida, tornando-se, em 1648, bispo dos morávios. Embora
profundamente religioso, o pensador propôs uma ruptura radical com o modelo de
escola até então praticado pela Igreja Católica, aquele voltado apenas para a
elite e dedicado primordialmente aos estudos abstratos. Ainda vigoravam as
doutrinas escolásticas da Idade Média, pelas quais todas as questões teóricas
se subordinavam à teologia cristã.
Comênio não foi o único
pensador de seu tempo a combater o pedantismo literário e o sadismo pedagógico,
mas ousou ser o principal teórico de um modelo de escola que deveria ensinar
"tudo a todos", aí incluídos os portadores de deficiência mental e as
meninas, na época alijados da educação. "Ele defendia o acesso irrestrito
à escrita, à leitura e ao cálculo, para que todos pudessem ler a Bíblia e
comerciar", diz Gasparin. Comênio respondia assim a duas urgências de seu
tempo: o aparecimento da burguesia mercantil nas cidades européias e o direito,
reivindicado pelos protestantes, à livre interpretação dos textos religiosos,
proibida pela Igreja Católica.
A obra de Comênio corresponde
também a outras novidades, entre elas "o despertar de uma nova concepção
de criança", como diz Gasparin. "Ele a trata em seus livros com muita
delicadeza, num tempo em que a escola existia sob a égide da palmatória",
continua o professor. "A educação era vista e praticada como um castigo e
não oferecia elementos para que depois as pessoas se situassem de forma mais
ampla na sociedade. Comênio reagiu a esse quadro com uma pergunta: por que não
se aprende brincando?"
Salvação da alma
Sob influência de seitas
protestantes e do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626), Comênio acreditava
que a salvação da alma poderia ser alcançada durante a vida terrena e que o
caminho para isso poderia ter a ajuda da ciência. Para ele, a criatura humana
correspondia ao ideal de perfeição. Comênio acreditava que, por ser dotado de
razão, o homem pode entender a si e a todas as coisas. Portanto, deve se
dedicar a aprender e a ensinar. Seguindo esse pensamento, Comênio conclui que o
mais importante na vida não é a contemplação e sim a ação, o "fazer".
No pensamento humanista do
pedagogo tcheco, a instrução e o trabalho diferenciavam o homem burguês do
homem feudal. Em sua trajetória, o novo indivíduo deveria imitar a natureza,
porque, emulando Deus e respeitando as aptidões de cada um, não haveria
possibilidade de erro. De Bacon, Comênio adotou o método empírico de explorar o
mundo, em contraposição às verdades impostas pelo ensino medieval. Pela
experimentação, ele acreditava que todos poderiam vir a enxergar a harmonia do
universo sob o caos aparente. "Comênio queria mudar a escola com a
didática e a sociedade com a educação", diz Gasparin. "Era um grande
idealista."
Biografia
O nome Comênio é o
aportuguesamento da assinatura latina (Comenius) de Jan Amos Komensky, nascido
em 1592 em Nivnice, Morávia (então domínio dos Habsburgos, hoje República
Tcheca). O pensador Comênio foi filho único de um casal de membros do grupo
protestante Irmãos Boêmios. Na Universidade de Heidelberg (Alemanha), se
entusiasmou com as idéias de filósofos que criavam uma concepção de ciência
baseada no empirismo. Seguiu carreira religiosa e teve de fugir para a Polônia
quando, no início da Guerra dos 30 Anos, em 1618, o rei Ferdinando II decidiu
reimpor o catolicismo na Boêmia. Sua revolta com a situação o levou a escrever
obras filosóficas e pedagógicas satirizando a ordem vigente e propondo mudanças
radicais. Essas idéias seduziram pensadores da Inglaterra, que o convidaram a
trabalhar no país, mas o projeto foi abortado pela eclosão da Guerra Civil
Inglesa, em 1642. Tentativas de reforma escolar a pedido dos governos da Suécia
e da Hungria acabaram fracassando - em parte por causa da insistência do
pensador em divulgar sua "pansofia", sem sucesso - e ele voltou para
a Polônia. Comênio teve novamente de fugir de uma guerra civil e estabeleceu-se
em Amsterdã, onde permaneceu até morrer, em 1670. Por essa época, seus livros
de texto ilustrados para o aprendizado de línguas e ciências tinham se tornado
uma bem-sucedida novidade nas escolas da Europa.
Em busca da harmonia universal
Comênio viveu a maior parte
da vida cercado de guerras. Algumas delas, como a Guerra dos 30 Anos, de
protestantes contra católicos, lhe diziam respeito diretamente. Toda sua obra
foi marcada profundamente por isso, uma vez que o fim último de seu pensamento
era a compreensão universal, que uniria toda a humanidade. Ele perseguiu desde
a juventude a unificação da totalidade do conhecimento humano, porque imaginava
que ele era finito e imutável. A construção de uma enciclopédia do saber e sua
adaptação às capacidades infantis são o grande tema da pedagogia de Comênio, e
para sustentá-la ele criou uma base filosófica que denominou
"pansofia", a procura de um princípio básico que harmonizasse todo o
saber. Ao contrário de seu pensamento educacional, que suscitou interesse pela
Europa afora, a pansofia não teve seguidores.
Quer
saber mais?
Comênio: A Emergência
da Modernidade na Educação, João Luiz Gasparin, 147 págs., Ed.
Vozes,
tel. (24) 2246-5552, 20 reais
Comenius: a Persistência da Utopia em Educação, Wojciech A. Kulesza, 214 págs., Ed. Unicamp,
tel. (19) 3521-7718 (edição esgotada)
tel. (24) 2246-5552, 20 reais
Comenius: a Persistência da Utopia em Educação, Wojciech A. Kulesza, 214 págs., Ed. Unicamp,
tel. (19) 3521-7718 (edição esgotada)
Fonte: Site Nova Escola
John Dewey, o pensador que pôs a prática em foco
O filósofo norte-americano defendia a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças
Quantas vezes você já ouviu falar na necessidade de valorizar
a capacidade de pensar dos alunos? De prepará-los para questionar a realidade?
De unir teoria e prática? De problematizar? Se você se preocupa com essas
questões, já esbarrou, mesmo sem saber, em algumas das concepções de John Dewey
(1859-1952), filósofo norte-americano que influenciou educadores de várias
partes do mundo. No Brasil inspirou o movimento da Escola Nova, liderado por
Anísio Teixeira, ao colocar a atividade prática e a democracia como importantes
ingredientes da educação.
Dewey é o nome mais célebre da corrente filosófica que ficou
conhecida como pragmatismo, embora ele preferisse o nome instrumentalismo - uma
vez que, para essa escola de pensamento, as ideias só têm importância desde que
sirvam de instrumento para a resolução de problemas reais. No campo específico
da pedagogia, a teoria de Dewey se inscreve na chamada educação progressiva. Um
de seus principais objetivos é educar a criança como um todo. O que importa é o
crescimento - físico, emocional e intelectual.
O
princípio é que os alunos aprendem melhor realizando tarefas associadas aos
conteúdos ensinados. Atividades manuais e criativas ganharam destaque no
currículo e as crianças passaram a ser estimuladas a experimentar e pensar por
si mesmas. Nesse contexto, a democracia ganha peso, por ser a ordem política
que permite o maior desenvolvimento dos indivíduos, no papel de decidir em conjunto
o destino do grupo a que pertencem. Dewey defendia a democracia não só no campo
institucional mas também no interior das escolas.
Estímulo à cooperação
Influenciado
pelo empirismo, Dewey criou uma escola-laboratório ligada à universidade onde
lecionava para testar métodos pedagógicos. Ele insistia na necessidade de
estreitar a relação entre teoria e prática, pois acreditava que as hipóteses
teóricas só têm sentido no dia a dia. Outro ponto-chave de sua teoria é a
crença de que o conhecimento é construído de consensos, que por sua vez
resultam de discussões coletivas. "O aprendizado se dá quando
compartilhamos experiências, e isso só é possível num ambiente democrático,
onde não haja barreiras ao intercâmbio de pensamento", escreveu. Por isso,
a escola deve proporcionar práticas conjuntas e promover situações de
cooperação, em vez de lidar com as crianças de forma isolada.
Seu
grande mérito foi ter sido um dos primeiros a chamar a atenção para a
capacidade de pensar dos alunos. Dewey acreditava que, para o sucesso do
processo educativo, bastava um grupo de pessoas se comunicando e trocando
ideias, sentimentos e experiências sobre as situações práticas do dia a dia. Ao
mesmo tempo, reconhecia que, à medida que as sociedades foram ficando
complexas, a distância entre adultos e crianças se ampliou demais. Daí a
necessidade da escola, um espaço onde as pessoas se encontram para educar e ser
educadas. O papel dessa instituição, segundo ele, é reproduzir a comunidade em
miniatura, apresentar o mundo de um modo simplificado e organizado e, aos
poucos, conduzir as crianças ao sentido e à compreensão das coisas mais
complexas. Em outras palavras, o objetivo da escola deveria ser ensinar a
criança a viver no mundo.
"Afinal,
as crianças não estão, num dado momento, sendo preparadas para a vida e, em
outro, vivendo", ensinou, argumentando que o aprendizado se dá justamente
quando os alunos são colocados diante de problemas reais. A educação, na visão
deweyana, é "uma constante reconstrução da experiência, de forma a dar-lhe
cada vez mais sentido e a habilitar as novas gerações a responder aos desafios
da sociedade". Educar, portanto, é mais do que reproduzir conhecimentos. É
incentivar o desejo de desenvolvimento contínuo, preparar pessoas para
transformar algo.
A
experiência educativa é, para Dewey, reflexiva, resultando em novos
conhecimentos. Deve seguir alguns pontos essenciais: que o aluno esteja numa
verdadeira situação de experimentação, que a atividade o interesse, que haja um
problema a resolver, que ele possua os conhecimentos para agir diante da
situação e que tenha a chance de testar suas ideias. Reflexão e ação devem
estar ligadas, são parte de um todo indivisível. Dewey acreditava que só a
inteligência dá ao homem a capacidade de modificar o ambiente a seu redor.
Liberdade intelectual para os alunos
A
filosofia deweyana remete a uma prática docente baseada na liberdade do aluno
para elaborar as próprias certezas, os próprios conhecimentos, as próprias
regras morais. Isso não significa reduzir a importância do currículo ou dos
saberes do educador. Para Dewey, o professor deve apresentar os conteúdos
escolares na forma de questões ou problemas e jamais dar de antemão respostas
ou soluções prontas. Em lugar de começar com definições ou conceitos já
elaborados, deve usar procedimentos que façam o aluno raciocinar e elaborar os
próprios conceitos para depois confrontar com o conhecimento sistematizado.
Pode-se afirmar que as teorias mais modernas da didática, como o construtivismo
e as bases teóricas dos Parâmetros Curriculares Nacionais, têm inspiração nas
ideias do educador.
Biografia
John
Dewey nasceu em 1859 em Burlington, uma pequena cidade agrícola do estado
norte-americano de Vermont. Na escola, teve uma educação desinteressante e
desestimulante, o que foi compensado pela formação que recebeu em casa. Ainda
criança, via sua mãe confiar aos filhos pequenas tarefas para despertar o senso
de responsabilidade. Foi professor secundário por três anos antes de cursar a
Universidade Johns Hopkins, em Baltimore. Estudou artes e filosofia e tornou-se
professor da Universidade de Minnesota. Escreveu sobre filosofia e educação,
além de arte, religião, moral, teoria do conhecimento, psicologia e política.
Seu interesse por pedagogia nasceu da observação de que a escola de seu tempo
continuava, em grande parte, orientada por valores tradicionais, e não havia
incorporado as descobertas da psicologia, nem acompanhara os avanços políticos
e sociais. Fiel à causa democrática, participou de vários movimentos sociais.
Criou uma universidade-exílio para acolher estudantes perseguidos em países de
regime totalitário. Morreu em 1952, aos 93 anos.
A defesa irrestrita do experimentalismo
Em
quase um século, Dewey presenciou muitas transformações. Viu o fim da Guerra
Civil Americana, o desenvolvimento tecnológico, a Revolução Russa de 1917, a crise econômica de
1929. Em parte nasceu dessa efervescência mundial sua concepção mutável da
realidade e dos valores, além da convicção de que só a inteligência dá ao homem
o poder de alterar sua existência. "Idealizar e racionalizar o universo em
geral é uma confissão de incapacidade de dominar os cursos das coisas que
especificamente nos dizem respeito", escreveu. Essa perspectiva levou
Dewey a rejeitar a ideia de leis morais fixas e imutáveis. Como boa parte dos
intelectuais de seu tempo, o filósofo norte-americano sofreu forte influência
tanto do evolucionismo das ciências naturais quanto do positivismo das ciências
humanas. Defendia a utilização, diante dos problemas sociais, dos métodos e
atitudes experimentais que foram bem-sucedidos nas ciências naturais. Ele
próprio procurou aplicar essa abordagem em relação à investigação filosófica e
à didática.
Para pensar
A escola-laboratório
criada por Dewey em Chicago: a prática acima de tudo
Uma das principais lições deixadas por John Dewey é a de que, não havendo separação entre vida e educação, esta deve preparar para a vida, promovendo seu constante desenvolvimento. Como ele dizia, "as crianças não estão, num dado momento, sendo preparadas para a vida e, em outro, vivendo". Então, qual é a diferença entre preparar para a vida e para passar de ano? Como educar alunos que têm realidades tão diferentes entre si e que, provavelmente, terão também futuros tão distintos?
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Conhecimento, Valor e Educação em John Dewey, Maria Isabel Pitombo, 176 págs., Ed. Pioneira,
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Dewey: Filosofia e Experiência Democrática, Maria Nazaré Amaral, 136 págs., Ed. Perspectiva,
tel. (11) 3885-8388, 25 reais
John Dewey: a Utopia Democrática, Maria Isabel Pitombo, 176 págs., Ed. Pioneira, tel. (11) 3665-9900
(edição esgotada)
John Dewey: uma Filosofia para Educadores em Sala de Aula, Marcus Vinícius da Cunha, 92 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2246-5552, 20 reais
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Fonte: Site Nova Escola
Hannah Arendt.
A voz de apoio à autoridade do professor, Para a cientista política, os adultos devem assumir a responsabilidade de conduzir as crianças por caminhos que elas desconhecem.
Hannah Arendt (1906-1975) foi uma das principais pensadoras da política no século 20, mas sua obra inspira estudos em outras áreas, entre elas a educação. Poucos intelectuais atuaram tão diretamente em seu tempo como Arendt, que foi vítima, ainda jovem, da perseguição nazista em sua Alemanha natal.
Como uma filósofa (designação que a desagradava) interessada em particular no fenômeno do pensamento e no modo como ele opera em "tempos sombrios", Arendt não poderia deixar de se ocupar do ensino. A pensadora abordou o assunto em dois textos, A Crise na Educação (incluído no livro Entre o Passado e o Futuro) e, mais indiretamente, Reflexões sobre Little Rock, escritos em 1958 e 1959 respectivamente. Na época, as salas de aula nos Estados Unidos - para onde se mudou em 1940 - se viam invadidas por questões sociais como a violência, o conflito de gerações e o racismo.
É no primeiro dos dois textos que Arendt apresenta, com a habitual veemência e coragem, uma visão bastante crítica do tipo de educação considerada "moderna", naquela época e também hoje. Em poucas páginas, ela questiona em profundidade alguns dos conceitos pedagógicos mais difundidos desde fins do século 19, e que se originam do movimento da Escola Nova e da concepção do trabalho educativo como um aprendizado "para a vida".
"A função da escola é ensinar às crianças como o mundo é, e não instruí-las na arte de viver", escreve Arendt. Sua argumentação é a favor da autoridade na sala de aula e sua visão educativa é assumidamente conservadora. "Isso não quer dizer que ela defenda um professor autoritário", diz Maria de Fátima Simões Francisco, professora de filosofia da educação da Universidade de São Paulo. Nem se trata de ser favorável à escola como um agente da manutenção da ordem estabelecida. Ao contrário, Arendt acreditava que o aluno deve ser apresentado ao mundo e estimulado a mudá-lo.
Educação sem política
Tensão Racial em Little Rock, EUA, nos anos de 1950 |
Arendt defendia o conservadorismo na educação, mas não na política. Para ela, o campo político deveria se renovar constantemente, movido pelos objetivos da igualdade e da liberdade civil. Ao reivindicar a total separação entre política e educação, Arendt rejeita linhas de pensamento que partem de filósofos como Platão (427-347 a.C.) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778).
Segundo a pensadora, a política é uma área que pertence apenas aos adultos, agindo como iguais - igualdade que não poderia existir entre crianças e adultos. Ela critica a educação moderna por ter posto em prática "o absurdo tratamento das crianças como uma minoria oprimida carente de libertação". "Hannah Arendt defende que cabe aos adultos conduzir as crianças", diz Maria de Fátima Simões Francisco.
O papel da tradição
Dessas considerações nasce a defesa da autoridade, uma vez que a escola deverá trazer instrução, isto é, conhecimentos que o aluno não tem. Esse processo não é apenas de aprendizado, mas de preservação do mundo, entendido como a cultura em sua totalidade. Numa formulação ousada, a pensadora defende que é preciso proteger "a criança do mundo e o mundo da criança" - uma vez que o "assédio do novo" é potencialmente destrutivo.
A preocupação com a perda da "tradição", definida como "o fio que nos guia com segurança através dos vastos domínios do passado", foi o que levou Arendt a escrever sobre educação. A relação entre crianças e adultos não pode, segundo ela, ficar restrita "à ciência específica da pedagogia", já que se trata de preservar o patrimônio global da humanidade. "Está presente a idéia de que o planeta não pertence só a nós que vivemos nele agora, mas a todos que já estiveram aqui", diz Maria de Fátima.
"A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumirmos a responsabilidade por ele", escreve Arendt, acrescentando que "a educação é, também, onde decidimos se amamos nossas crianças o bastante para não expulsá-las de nosso mundo e abandoná-las a seus próprios recursos".
O mal da irreflexão
A obra mais difundida de Hannah Arendt origina-se de uma reportagem que lhe foi encomendada pela revista New Yorker. No ano de 1961, ela foi enviada a Israel para cobrir o julgamento do alto burocrata nazista Adolf Eichmann. No livro Eichmann em Jerusalém, a pensadora cunhou a expressão que a celebrizou: "a banalidade do mal", em referência aos códigos aparentemente lógicos e até sensatos com que o totalitarismo se propaga e ganha poder.
Durante o julgamento, chamou a atenção da pensadora a figura prosaica do réu. Em Eichmann, um homem de aparência equilibrada e comum, Arendt identificou alguém habituado a não pensar. Os perigos da irreflexão, como sinal de alienação da realidade, constituem um dos principais eixos de uma obra que pode trazer contribuições para a educação em muitos aspectos.
No artigo A Crise na Educação, Arendt dá ênfase ao conceito de responsabilidade dos adultos tanto em relação ao mundo como às crianças. "Formar para o mundo significa, entre outras coisas, adquirir a noção do coletivo", diz a educadora Maria de Fátima Simões Francisco. É um processo que só se realiza, em cada aluno, com a intervenção do pensamento para a criação de uma ética perante o grupo.
Uma testemunha do terror de Estado
O Julgamento de Adolf Eichmann em Jerusalém |
No início de sua vida acadêmica, mal saída da adolescência, Hannah Arendt era uma apaixonada pela filosofia de Immanuel Kant (1724-1804), filho mais célebre da cidade em que foi criada, Königsberg (hoje Kaliningrado, na Rússia). Ela mesma admitia que foram os acontecimentos - a começar pela perseguição nazista à sua família - que a fizeram migrar da filosofia mais abstrata para a ciência política e a refletir sobre as questões urgentes de seu tempo. Em As Origens do Totalitarismo, ela analisa e descreve o regime típico do século 20, representado pelo nazismo e pelo stalinismo, dois sistemas de princípios opostos e estratégias muito semelhantes, como o terror, o papel marcante da ideologia e o uso de polícias secretas. Toda sua obra dialogou com os dilemas morais e políticos mais graves do século 20, com ênfase nas possibilidades do indivíduo diante do poder.
Para pensar
Hannah Arendt defendia que os adultos têm dois tipos de obrigação em relação às crianças. Uma recai sobre a família, responsável pelo "bem-estar vital" de seus filhos. Outra fica a cargo da escola, a quem cabe o "livre desenvolvimento de qualidades e talentos pessoais". Ela acusa a educação praticada nos Estados Unidos à época da publicação do artigo de abrir mão de sua função ao rejeitar a autoridade que decorre dela. "Qualquer pessoa que se recuse a assumir a responsabilidade coletiva pelo mundo não deveria ter crianças e é preciso proibi-la de tomar parte na educação", escreve Arendt. Você, professor, concorda com ela? Qual é, a seu ver, a principal responsabilidade de sua profissão?
Quer saber mais?
Entre o Passado e o Futuro, Hannah Arendt, 352 págs., Ed. Perspectiva, tel. (11) 3885-8388, 34 reais
Maria de Fátima Simões Francisco
Maria de Fátima Simões Francisco
Fonte: Site Nova Escola
Pierre Bourdieu
O investigador da desigualdade. O sociólogo francês detectou mecanismos de conservação e reprodução em todas as áreas da atividade humana, entre elas, o sistema educacional.
Embora a maioria dos grandes pensadores da educação tenha desenvolvido suas teorias com base numa visão crítica da escola, somente na segunda metade do século 20 surgiram questionamentos bem fundamentados sobre a neutralidade da instituição. Até ali a instrução era vista como um meio de elevação cultural mais ou menos à parte das tensões sociais. O francês Pierre Bourdieu (1930-2002) empreendeu uma investigação sociológica do conhecimento que detectou um jogo de dominação e reprodução de valores.
Suas pesquisas exerceram forte influência nos ambientes pedagógicos nas décadas de 1970 e 1980. "Desde então, as teorias de reprodução foram criticadas por exagerar a visão pessimista sobre a escola", diz Cláudio Martins Nogueira, professor da Universidade Federal de Minas Gerais. "Vários autores passaram a mostrar que nem sempre as desigualdades sociais se reproduzem completamente na sala de aula." Na essência, contudo, as conclusões de Bourdieu não foram contestadas.
Na mesma época em que as restrições a sua obra acadêmica se tornaram mais frequentes, a figura pública do sociólogo ganhou notoriedade pelas críticas à mídia, aos governos de esquerda da Europa e à globalização. Ele costuma ser incluído na tradição francesa do intelectual público e combativo, a exemplo do escritor Émile Zola (1840-1902) e do filósofo Jean Paul Sartre (1905-1980).
Valores incorporados
O livro A Reprodução (1970), escrito em parceria com Jean-Claude Passeron, analisou ofuncionamento do sistema escolar francês e concluiu que, em vez de ter uma função transformadora, ele reproduz e reforça as desigualdades sociais. Quando a criança começa sua aprendizagem formal, segundo os autores, é recebida num ambiente marcado pelo caráter de classe, desde a organização pedagógica até o modo como prepara o futuro dos alunos.
Para construir sua teoria, Bourdieu criou uma série de conceitos, como habitus e capital cultural. Todos partem de uma tentativa de superação da dicotomia entre subjetivismo e objetivismo. "Ele acreditava que qualquer uma dessas tendências, tomada isoladamente, conduz a uma interpretação restrita ou mesmo equivocada da realidade social", explica Nogueira. A noção de habitus procura evitar esse risco. Ela se refere à incorporação de uma determinada estrutura social pelos indivíduos, influindo em seu modo de sentir, pensar e agir, de tal forma que se inclinam a confirmá-la e reproduzi-la, mesmo que nem sempre de modo consciente.
Um exemplo disso: a dominação masculina, segundo o sociólogo, se mantém não só pela preservação de mecanismos sociais mas pela absorção involuntária, por parte das mulheres, de um discurso conciliador. Na formação do habitus, a produção simbólica - resultado das elaborações em áreas como arte, ciência, religião e moral - constitui o vetor principal, porque recria as desigualdades de modo indireto, escamoteando hierarquias e constrangimentos.
Assim, estruturas sociais e agentes individuais se alimentam continuamente numa engrenagem de caráter conservador. É o caso da maneira como cada um lida com a linguagem. Tudo que a envolve - correção gramatical, sotaque, habilidade no uso de palavras e construções etc. - está fortemente relacionado à posição social de quem fala e à função de ratificar a ordem estabelecida. Para Bourdieu, todas essas ferramentas de poder são essencialmente arbitrárias, mas isso não costuma ser percebido. "É necessário que os dominados as percebam como legítimas, justas e dignas de serem utilizadas", afirma Nogueira.
Capital cultural
Os sutis artifícios de perpetuação
Outro conceito utilizado por Bourdieu é o de campo, para designar nichos da atividade humana nos quais se desenrolam lutas pela detenção do poder simbólico, que produz e confirma significados Esses conflitos consagram valores que se tornam aceitáveis pelo senso comum. No campo da arte, a luta simbólica decide o que é erudito ou popular, de bom ou de mau gosto. Dos elementos vitoriosos, formam-se o habitus e o código de aceitação social.
Os indivíduos, por sua vez, se posicionam nos campos de acordo com o capital acumulado - que pode ser social, cultural, econômico e simbólico. O capital social, por exemplo, corresponde à rede de relações interpessoais que cada um constrói, com os benefícios ou malefícios que ela pode gerar na competição entre os grupos humanos. Já na educação se acumula sobretudo capital cultural, na forma de conhecimentos apreendidos, livros, diplomas etc.
Com os instrumentos teóricos que criou, Bourdieu afastou de suas análises a ênfase central nos fatores econômicos - que caracteriza o marxismo - e introduziu, para se referir ao controle de um estrato social sobre outro, o conceito de violência simbólica, legitimadora da dominação e posta em prática por meio de estilos de vida. Isso explicaria por que é tão difícil alterar certos padrões sociais: o poder exercido em campos como a linguagem é mais eficiente e sutil do que o uso da força propriamente dita.
Os sutis artifícios de perpetuação
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